Mediunidade de Incorporação

Se você chegou até essa matéria provavelmente já entendeu o que é a mediunidade e porquê nascemos médiuns, mas, se você ainda não detém esse conhecimento, peço que volte, antes de prosseguir, e leia a matéria postada sobre esse assunto para melhor entendimento.

Falaremos agora de um dos, ou melhor, do tipo de mediunidade mais comum na Umbanda, do tipo de mediunidade que é, na verdade, o grande motivo por ela existir: a Mediunidade de Incorporação. Veja desse modo:

A Umbanda não seria Umbanda se no dia 15 de Novembro de 1908, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, através do médium Zélio Fernandino de Moraes, não tivesse anunciado e fundado a religião, que viria a mudar histórias e destinos com o passar do tempo, mas isso só foi possível, por conta da conexão médium-entidade que existiu naquele exato momento entre Zélio e o Caboclo, e é exatamente essa conexão que denominamos incorporação.

A questão é: naquele primeiro instante, o Caboclo das Sete Encruzilhadas não veio só para anunciar algo sagrado e transformar tudo, Ele também veio para provar que somos uma constante em mudança e que somos capazes de ter amor ao divino, amor ao semelhante.

Estou relatando isso, porque gosto de dizer que a incorporação é, antes de tudo, um ato de amor, um momento onde podemos ver a união de um encarnado e um desencarnado, da sabedoria e do aprendizado, da fé e do sagrado, de dois espíritos em um "único corpo", para cumprir com um trabalho, onde nós seremos os mais beneficiados. Fantástico, não é? Eu também acho.

"Desenvolver a mediunidade é descobrir essa parceria e redescobrir como se relacionar de forma tranquila com algo tão complexo, louco e quase surreal, como a incorporação de outro ser em seu corpo." 
(Médium, Incorporação não é Possessão; Alexandre Cumino)

Ao longo dos tempos esse processo foi se modificando, tornou-se sólido e compreensível, deixou de ser um grande tabu ou de estar associado a algo negativo, para tornar-se algo mais comum, acessível ao estudo, o que contribuiu para a transformação da religião e da maturação dos médiuns como um todo.

Queria poder contar-lhe que existem livros ou manuais para facilitar esse processo, mas não posso mentir, não existe. Não existem regras e nem obrigatoriedade, existe somente a paciência e a individualidade. Sim, a incorporação é única e cada um tem o seu modo de incorporar, cada um tem o seu modo de reconhecer as energias que os envolve, e isso, na verdade, depende do quão aflorada a sensibilidade do médium está. 

O médium de incorporação é quase sempre um médium sensitivo, e é graças a essa "alta" sensibilidade, que esses médiuns são capazes de sentir a energia dos mais variados lugares, e identificar facilmente os sentimentos de pessoas muito próximas, mas, é justamente por desconhecer sua mediunidade, que os médiuns sentem as energias que chegam a ele com uma intensidade muito grande, proporcionando-o, na maioria das vezes, alguns mal-estares como, por exemplo: arrepios, bocejos, choros, desgaste físico, dores de cabeça, dores de barriga, enjôo, falta de ar e até um formigar na ponta dos dedos. 

Sim, tudo isso pode ser sintoma da mediunidade, e se você já sentiu pelo menos dois deles em dia de gira ou em um ambiente carregado, cuidado... Você pode ser médium sensitivo e de incorporação! Mas, fique calmo, aprenda a interpretar o que estou tentando dizer: isso não quer dizer que enjôos e dores de barriga não possam ser sintomatologia de virose e que você não deva procurar um médico, por favor, tudo deve ser dosado.

Essa alta percepção do médium será a grande responsável pelas primeiras sensações da incorporação, que aproveito para dizer que serão inesquecíveis. Esse é um processo lento, gradual, que deve ocorrer, de preferência, em um ambiente específico e preparado, sob a supervisão e o auxilio de uma entidade ou de um médium direcionado a isso.

Para uns, esse processo pode parecer mais fácil, para outros, pode parecer mais difícil. Para alguns outros, pode parecer demorar uma eternidade, mas posso te garantir que quando acontece, temos a sensação de ter sido bem rápido. De todas as maneiras, a incorporação está correta, não devemos ter pressa para que tudo aconteça, porque tudo se dá no tempo certo, no tempo divino.

Então, quando chegar sua hora, será inesquecível... 

Um arrepio poderá surgir, sua respiração poderá tornar-se irregular, as mãos poderão oscilar entre um suado quente e um suado frio, o tremor do corpo quase que não vai te deixar parado no lugar e seu coração provavelmente irá acelerar. Acontece para cada um de maneiras diferentes, mas quem sabe essas sensações não lhe invadam quase tudo ao mesmo tempo? Não tenha medo, permita-se sentir maravilhado!

Se você me permite lhe dar uma dica: pense em um lugar feliz, que lhe traga sentimentos bons.Tente esvaziar sua mente, deixar para fora os problemas e as preocupações rotineiras. Medite, concentre-se em sua respiração, ouça o toque do atabaque e busque pensar em elementos característicos das entidades, isso pode ajudar: matas, coqueiros ou até os "velhos" benzedeiros, deixe a criatividade te transportar para outro lugar e permita com que as entidades te envolvam em sua energia, e quando você menos imaginar, terá incorporado.

"Existem cinco estágios que integram o momento da incorporação, são eles:

Primeiro - Percepção dos fluídos energéticos;
Segundo - Aproximação da entidade;
Terceiro - O contato;
Quarto - O envolvimento;
Quinto - A manifestação da entidade.

Esses cinco estágios ocorrem de maneira muito rápida, em questão de segundos, se tornando imperceptível para aqueles que não estão em sintonia, ou seja, que não estão concentrados. Em outro caso, se o médium encontra-se firme, ele sentirá os cinco estágios, um a um, mesmo que de maneira rápida."

(Edgar Armond)

Ainda me recordo perfeitamente da minha primeira incorporação: era mais um Sábado e estávamos numa aula de desenvolvimento prática, fechei os olhos buscando fugir dos pensamentos alheios que me sondavam em frente ao Congá. Era só eu e eu, o som do atabaque e do adjá. Enquanto os pontos eram tocados de forma calma, comecei a pensar nos galhinhos de arruda que estavam sendo usados para benzer a menininha, pelas mãos enrugadas de alguém que já tinha aprendido muito com a vida. Avancei mais, quase fui capaz de sentir o cheiro do bolo de fubá quentinho e do café fresquinho, que tinham acabado de passar.

A essa altura, minha respiração estava lenta, um peso surgindo nas pernas revelou a presença de quem não podia muito mais caminhar, e a dor nas costas, na altura da lombar, fez com que eu me curvasse diante a história de vida de alguém que, mesmo sem conhecer, sabia que tinha muito para ensinar. Ao longe, bem ao longe, pareci ouvir uma voz feminina, que julguei ser da Yaya: "Agô vovó, seja bem vinda!". 
Era ela quem havia acabado de chegar... 

Quis dividir isso com vocês, porque foi nesse instante que entendi o que verdadeiramente é a incorporação: amor, e nós somos os maiores beneficiados desse trabalho, pois quando incorporamos uma entidade, incorporamos também os valores que ela traz consigo.

"Sentir na pele a bondade e a paciência do preto velho, a força do caboclo, perceber-se criança outra vez e se permitir viver estas experiências além do ego é algo transformador para nossas vidas. É possível descobrir que há muito mais gente que nos ama além do mundo material."
(Médium, Incorporação não é Possessão; Alexandre Cumino)

A incorporação é um momento onde nós, médiuns, e a espiritualidade nos tornamos uma terceira pessoa, formando um elo único, compartilhando de sentimentos e conhecimentos, ensinando e aprendendo quase que o tempo inteiro. Por isso, é muito importante que a prática esteja sempre associada a uma boa teoria, pois a espiritualidade também se utiliza dos seus saberes e quando preciso, você também deve saber se utilizar de fundamentos. Esse é um trabalho que não deve ser único e exclusivo das entidades, e sim de ambos. 

Lembre-se: no mecanismo da incorporação vocês SÃO uma terceira pessoa e não um único indivíduo, faço referência a isso porque nosso espírito jamais sai do corpo para dar lugar ao outro durante o processo, o que acontece é uma conexão entre os chakras do guia e do médium, que é denominado acoplamento áurico. Para melhor entendimento deste assunto, deixarei aqui um vídeo curtinho e bem explicativo:


No início, as entidades tendem a se aproximar de forma lenta e gradual, provocando diversas sensações na mente e no corpo do médium, que ainda está aprendendo a lidar com essas energias, por isso, temos em cada gira uma nova descoberta. 

Com o passar do tempo e do desenvolvimento, a ligação mediúnica se fortalece e a incorporação torna-se cada vez mais natural, fluída e segura. Entretanto, até chegarmos nesse momento, um caminho de inseguranças, conflitos, dúvidas e medos quase sempre é percorrido, quase sempre mesmo, e por todos, mas preciso te dizer: somente a prática fará com que a dúvida se torne certeza. Confie em seu trabalho, entregue-se de forma absoluta a essa experiência e, sempre que necessário, procure por esclarecimentos.

Se você ainda não viveu essa experiência e é médium de incorporação, tenha calma, você ainda terá a oportunidade de se maravilhar com esse momento, tudo no seu determinado tempo, mas, se você se interessa pelo assunto e não tem esse tipo de mediunidade, não deixe de vivenciar o universo maravilhoso que a espiritualidade nos propõe, camboneie, toque em uma gira ou recepcione com amor aqueles que vem buscar ajuda. Não deixe de trabalhar e sempre que possível, dê uma corridinha para abraça-los, um abraço muda nosso dia.
Muito Axé!

"Sempre dizemos que os olhos são a janela da alma e, de fato, quando um médium está incorporado e não apenas irradiado, seu olhar muda, já não é mais seu olhar e sim o olhar de uma entidade. Não é mais o médium quem olha para você com a presença de seu guia ao lado, mas é o guia do médium quem olha para você por meio dos olhos daquele médium e, na maioria das vezes, é possível perceber pelo olhar. Sim, por esse olhar você percebe a doçura de um Preto Velho, a força do Caboclo, a ingenuidade da Criança, o amor de uma Pombo Gira ou a profundidade de um Exú. É um outro olhar, existe um brilho, o rosto toma outro semblante." 
(Médium, Incorporação não é Possessão; Alexandre Cumino)


Médium
Incorporação não é Possessão
Alexandre Cumino
ANOTA AÍ - DICA DE LEITURA:

Se você quer saber mais sobre esse assunto, recomendo a leitura do livro "Médium, Incorporação não é Possessão" escrito pelo médium e sacerdote umbandista: Pai Alexandre Cumino. Nessa obra, o autor permite a nós, leitores, conhecer mais sobre universo da incorporação e tudo que diz respeito a incorporar seus valores e seus aprendizados. Ele também esclarece dúvidas simples sobre a mediunidade e dialoga sobre questionamentos comuns nessa fase, vivenciado por quase todos nós.



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