A Gira

Quero começar este texto fazendo uma confissão:

A Umbanda entrou na minha vida como quem entra em um avião: com passagem comprada e destino definido, nos deixando com aquele frio na barriga aguardando a decolagem. Sim, foi assim. Eu não esperava estar na Umbanda até que a Umbanda esteve em mim, e aqui estou até hoje.

Quis falar disso, porque antes de me tornar umbandista por completo, não imaginava que os trabalhos se iniciavam muito antes da chegada ao terreiro e que contemplam muito mais do que aqueles que chegam pela primeira vez à Umbanda, são capazes de ver, que eu fui capaz de ver. Com o tempo, fui entendendo que o antes é tão importante quanto o durante e que um completa o outro.

Os dias que intermedeiam as giras são como quaisquer outros, exceto pela condição de que parecem demorar muito mais a passar, mas fique tranquilo, com o tempo você se acostuma, acostuma tanto que pouco antes do despertador tocar, na maioria das vezes, você já terá levantado. Sim, é engraçado, até hoje parece que o relógio biológico denominado "dia de gira no terreiro" é configurado automaticamente pela ansiedade e saudade. Quem é umbandista sabe.

A partir do momento em que levantamos, a rotina segue a mesma, para uns de maneira mais agitada, para outros de maneira mais calma, para alguns outros de maneira indiferente. O que realmente importa neste dia, e nas 24h que os antecede, é o comprometimento do médium com a espiritualidade e o respeito quanto aos preceitos pré-estabelecidos, determinados por seu dirigente espiritual.

Neste ponto, os preceitos tem como objetivo religar o médium com o sagrado e devem ser adotados por todos que compõe o corpo mediúnico, sem exceção. Em sua maioria, são três os principais:

Abstinência Alcoólica: o elemento etílico é potencialmente intensificador magnético, podendo impregnar o campo áurico com uma energia desestabilizadora. No organismo, o álcool é rapidamente absorvido podendo causar alterações físicas e psicológicas no médium, demorando até um dia para ser metabolizado por completo.

Abstinência Sexual: quanto a este preceito, deve ser realizado não pelo fato do sexo ser considerado impuro, como todos pensam, mais sim porque o ato sexual impõe trocas energéticas, alterando a estrutura magnética do seu campo vibratório, o que dificulta a fusão magnética das entidades com o médium.

Carnes e Alimentos Pesados: carnes, principalmente vermelha, e alimentos pesados como, por exemplo, a feijoada devem ser evitados, pois são detentores de energias que podem interferir no organismo do médium, seja ele de incorporação ou não, já que sua ingestão lenta pode alterar o metabolismo direcionando grande parte da energia.

Além disso, se tratando do preparo do médium, o mesmo deverá manter sua vela de anjo de guarda acesa e tomar banhos de ervas com o objetivo de limpar seu campo energético, dando-lhes melhores condições para desempenhar o seu papel nas giras. Quanto ao modo de preparo e as ervas a serem utilizadas, isso varia de Templo para Templo, não existindo regra específica, ok? Respeite a doutrina do seu irmão!

Outro detalhe importante o qual não posso esquecer de citar, e que também faz parte do preparo, é o cuidado com sua roupa. Irmão, se você é médium, mantenha sua roupa limpa e passada, ela se trata de um material de trabalho importante, e como todo material de trabalho, nós mantemos o cuidado. Agora, se você está vindo visitar a Umbanda, seja bem-vindo, e se me permite, recomendo que se atente aos decotes, à transparência e cumprimento das roupas, afinal, os Templos são ambientes religiosos.

A partir daqui, acredito que você, ou melhor, nós, já tenhamos entendido e revisado a importância do preparo que antecede as giras, e por falar nela, preciso que você saiba que ela é composta por três partes: o Preparo Individual (visto acima) e do Ambiente Religioso, a Abertura da Gira e, por fim, o Encerramento.

A CHEGADA AO TEMPLO

Um ponto aqui, um ponto lá e o silêncio nos avisa que estamos em casa. Não, não da pra confundir, até o cheiro parece nos lembrar: alfazema e defumador, do tipo que tem um aroma que encanta a gente, exalam no ambiente. É impossível não se apaixonar.

Mantenha silêncio, sinta, viva o momento, compreenda e adentre na energia, mas antes, não se esqueça de saudar:

Tronqueira: é o ponto de força da Casa, onde ficam os assentamentos dos Exús guardiões e das Pombo Giras, e seu ato compreende o "pedir licença". Entenda, irmão, todos nós só adentramos em uma casa umbandista com a permissão Deles, seja você, eu ou um espírito desencarnado, sofredor, que necessita de auxílio.

Chão/Solo: o espaço entre a assistência e a corrente normalmente é saudado por aqueles que o conhecem, afinal, naquele instante nos deslocamos do mundo material, se me entende, para o sagrado onde permanecemos em contato com a espiritualidade.

Congá/Peji: é um ponto de força muito importante funcionando como um portal energético, irradiador de energias positivas, que facilita o contato com as esferas espirituais.

Atabaques: devem ser saudados e respeitados, pois são muito importantes quanto as concepções energéticas e ao funcionamento dos trabalhos.

Esses são somente alguns pontos de força, sendo que podem variar tanto a serem saudados ou não, quanto a sua ordem de saudação, respeitando a doutrina e os fundamentos do Templo onde se segue.

ABERTURA

O que escreverei agora não é uma regra, pois cada casa possui uma ritualística e uma ordem a ser seguida, e nós possuímos a nossa: 

A abertura dos trabalhos se inicia com o toque dos atabaques e, em nossa casa, com uma saudação à Ogum. Os pontos são tocados de maneira sucessiva, Exú é saudado, a defumação é passada e uma prece é realizada, seguida pelo ato de bater cabeça.

Após toda essa ritualística, é chegado o momento em que os médiuns e as entidades tornam-se um só, com o objetivo de que possam vir trabalhar e ajudar aos que deles precisam. Os primeiros a recepcioná-los são os cambonos, que permanecem ao seu lado do início ao fim dos atendimentos, lhe ajudando sempre que necessário.

Velas, ervas, cigarro, água, charuto, pemba, você perceberá cada um desses elementos durante os atendimentos, cada um com sua função, cada um com sua magia, mas vou deixar que você descubra sozinho(a) um dia.

ENCERRAMENTO

Se teve abertura, também deverá ter um encerramento. Este é o momento do ritual onde todos elevam o pensamento ao Pai, aos orixás, guias e mentores para agradecer por todo trabalho executado momentos antes. Mas não pense que acabou: antes de ir, todos devem ajudar na limpeza do terreiro.

Ao chegar em casa, os médiuns normalmente são instruídos a tomarem outro banho e, por fim, descansar, devendo comunicar os responsáveis mediante qualquer problema.

Então, se você ainda não conhece a Umbanda, te deixo um convite.
Apaixone-se você também!

ANOTA AÍ: Já experimentou a maravilha que é se aliar a um ponto cantado em dia ou semana de gira? Se ainda não, tente, irmão! É incrível como parecemos adentrar na energia a qual nos ronda e exteriorizar a alegria que sentimos por mais um dia de trabalho estar se aproximando. Tente e me conte!

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